Nossa família em pose para a posteridade.
Inspirada pelo tema "O Retrato", ganhei, em 1963 o prêmio Oswaldino Marques", para o qual concorreram todas as alunas do meu colégio, o Santa Úrsula. O Correio da Manhã publicou uma grande reportagem a esse respeito, que oportunamente publicarei aqui.
Retratos e ambientes antigos sempre me fascinaram, assim como compoteiras, cristais, sedas, aromas de perfumes franceses, caixinhas antigas, bonecas de porcelana, rendas... Um mundo que eu observava e começava a tecer minhas histórias e minhas memórias.
Um dia fui à Feira do Troca, na Praça XV com minha irmã Gilda e encontrei postais muito sugestivos. Eram fotos antigas que já permitiam serem publicadas sem causar problemas de direitos de imagem. Fui colecionando e, numa de minhas idas a Paris, encontrei outras, nas barraquinhas que margeavam o Sena, e também numa das minhas galerias favoritas ao lado do Musée Grévin. E um dia resolvi apresentar essas fotos dando continuidade à uma vida imaginária dos personagens que marcaram sua época. O texto está registrado e eu penso em publicá-lo num livro e fazer - quem sabe? - um filme com esse tema. Inspirado na literatura e na psicanálise, dou então a forma literária que permeia poesia, emoção e carinho pelos personagens que não conheci, mas que ilustraram a minha vida de escritora e de psicanalista.
INTENÇÃO, EXTRAVIO E DESTINO
OU
PERCURSO DE UMA CARTA ROUBADA
Lucia Chataignier
Uma coisa que sempre me chamou atenção foi
a quantidade enorme de cartões postais, com imagens sugestivas e, mais
espantosamente, com fotos de casais, famílias ou pessoas isoladas, que
proliferam em feirinhas de antiguidades e alfarrábios do gênero.
A primeira vez que reparei nisso, foi em Paris. Estava eu a
percorrer livrarias e lojas de antiguidades, miudezas e curiosidades exóticas,
quando penetrei por uma das “passages”
próxima ao Boulevard des Italiens. Essas “Passages”
têm um charme especial: elas parecem um túnel do tempo, que nos transporta para
os anos loucos e prolíficos da produção artístico-literária da França dos
séculos XVIII e XIX. Pois bem: nesse
lugar, achei uma lojinha repleta desses detalhes, mas, foi à sua porta, que
encontrei um curioso conjunto de cartas e cartões postais de épocas passadas.
A minha reação, a princípio, foi de
espanto. Como, cartas tão íntimas,
vieram à tona, saídas das profundezas dos cofres secretos e dos guardados e
resguardados recantos de alcovas? Quem o permitiu? Quem invadiu esses
segredos? Quem desistiu de proteger
essas confidências e inconfidências? E,
por quê?
O meu sentimento foi um misto de pudor
atingido e indignação pela jura quebrada, pelo segredo explicitado, pela
violação cometida.
Já no Rio de Janeiro, arrumando a imensa
coleção de recortes de jornais os mais variados, todos advindos dos alfarrábios
de meu avô e de minha tia, achei algumas fotos muito antigas. Algumas eram identificadas, outras, não. Se elas haviam sido guardadas, deveria haver
um motivo, um sentimento, uma história.
Acolhi algumas delas à espera de um destino louvável e digno de seus
personagens.
Anos depois, em 2008, fui passear numa
feira de antiguidades, a Feira do Troca, na Praça XV. Além do gosto de percorrer as suas aléas, semelhantes
na minha opinião, aos cemitérios, pela
disposição de suas barracas e por me remeter a boas memórias passadas, havia também,
o prazer de ouvir interessantes histórias de alguns expositores, fui procurar
antigos postais.
Quando há curiosidade e interessa na
procura, depara-se com o surpreendente.
A primeira coisa que achei, foi um monte de carteiras de
identidade. Como assim, carteiras de
identidade? Seriam carteiras perdidas?
Pertenceriam a pessoas já falecidas?
Seria um acervo particular de achados e perdidos? De qualquer modo, aquele conjunto era, na
minha opinião, uma ameaça pública. Não
poderiam, as pessoas desonestas, se apropriar de tais registros e forjar um
cadastro, maculando a inocência de alguém e comprometendo a memória de um
incauto defunto ou mesmo o nome e a reputação de uma família?
Continuei a procurar postais. Os que mais me interessaram, foram os que continham
fotos de família e as cartas de amor.
Fui provocada pela curiosidade de suas histórias, pelos recados
cifrados, pelas letras, umas cuidadosamente desenhadas, outras displicentes, e
pelos textos.
Agora, restava colher, de cada um deles, a
história exposta e a ficção suposta de suas imagens e de seus signos num futuro
imaginário.
Nesse percurso, resolvi ler o conto de
Edgard Alan Poe, “A Carta Roubada” e também a interpretação que Lacan fez,
desse mesmo texto.
Eu estava encarando um desafio duplo: a seleção
das histórias, a interpretação das mesmas e a minha própria criatividade, a
partir dos dados colhidos.
Claro, que nada é feito ao acaso. A própria seleção e a exclusão de alguns dos
postais, falavam da minha intenção. É aí
que se situa a interseção da poesia com o cálculo matemático. A probabilidade, não é fruto do acaso nem de
abstratos cálculos mas a decorrência de desejos fermentados, sufocados,
latentes, aparentes e urgentes.
Pensei, primeiramente, em selecionar partes
do texto de Poe e depois, comentar alguns tópicos de Lacan. Mas meu lado poeta, falou mais forte. “Vou direto aos postais!” pensei. “Depois, articularei os elos da cadeia e da
lógica simbólica”.
São, ao todo, nove postais que escaneei e
transcrevi seus textos. Em seguida, soltei
as rédeas de minha imaginação e criei as circunstâncias em que tais recados ou
cartas foram enviados.
A continuar. Tentei postar todo o texto, mas esbarrei com uma não configuração das fotos. Assim que resolver este problema, colocarei o texto integral. Abraços a todos.